A reportagem pergunta por quê. “Ele pode ser atropelado, roubado, morto. Tem gente que mata aqui por nada.”

Séria durante toda a entrevista, sem rir ou chorar, Priscila conta que a empresa ofereceu acompanhamento psicológico às vitimas logo após o desastre.

Tentou, mas não frequentou as sessões por muito tempo.

“Parei porque os psicólogos pediam para eu esquecer. Como esquecer? Eles pediam para eu contar como aconteceu. Eu contava tudo e eles falavam: voce tem que esquecer. Eu perdi meu bebê, minha sobrinha morreu, meu filho quase morreu. Como assim esquecer?”

Legislação

Parque infantil soterrado em Bento Rodrigues, MG© Reuters Parque infantil soterrado em Bento Rodrigues, MGSeus advogados ajuizaram uma ação contra a mineradora Samarco, que junto a suas controladoras sofre hoje mais de 18 mil processos judiciais decorrentes da ruptura das barragens que guardavam milhões de metros cúbicos de restos de minerais, produtos químicos e entulho.

“Como ainda não foi designada audiência, ainda a empresa não se pronunciou dentro do processo”, diz a acusação, que pede indenização por danos materiais e morais devido ao trauma de Priscila.

A reportagem não encontrou registros de casos similares ao de Priscila no Brasil.

Para Paulo Avila Fagundez Procurado, professor de bioética e biodireito da Universidade Federal de Santa Catarina, o episódio pode ser interpretado pelo conceito de “nascituro”, presente na legislação brasileira.

“A pessoa passa a existir a partir do momento em que o feto sai do ventre. Mas a lei indica os direitos do nascituro, aquele que ainda virá a nascer, porque o aborto é hoje um crime contra a vida no Brasil.”

Para a lei, explica o professor, o nascituro é como “uma pessoa virtual”, “uma expectativa de vida humana”.

“Segundo a lei, qualquer interrupção que ocorra no curso da gestação é crime e passível de punição, e quem comete o aborto na pessoa responde por crime. Nesse caso, o acidente foi responsável pelo aborto, contra a vontade da gestante.”

Nove meses depois da tragédia, diretores das mineradores reconheceram pela primeira vez que o episódio foi fruto de uma obra na barragem. O anúncio foi feito pelos presidentes da Samarco e da Vale e pelo diretor comercial global da BHP – jornalistas não foram autorizados a fazer perguntas na ocasião.

Montagem mostra Priscila e laudo médico que atesta gravidez©ReproducaoMontagemostra Priscila e laudo médico que atesta gravidez“Eu queria ver o presidente da Samarco um dia”, diz Priscila.

“Se eu tivesse feito um aborto, estava presa, teria cometido um crime. Ele arrancou meu filho à força do meu ventre e nada acontece.”